Entidades do Carnaval comemoram manutenção do circuito Barra-Ondina

Cantores, políticos e representantes do carnaval conversaram com A TARDE sobre a questão

Entidades do Carnaval comemoram manutenção do circuito Barra-Ondina
Foto: Divulgação

A decisão da Prefeitura de Salvador de manter o circuito Dodô na Barra-Ondina, em 2023, ao invés de mudá-lo para a orla da Boca do Rio até Patamares, deixou muita gente aliviada. O anúncio foi feito pelo prefeito Bruno Reis, nesta sexta-feira, 19.

O gestor apontou a falta de tempo hábil para a alteração. De acordo com ele, no diálogo com os setores envolvidos, o empresariado e o trade turístico salientaram que já estavam vendendo os pacotes do próximo ano para o circuito Barra/Ondina. 

Cantores, políticos, foliões e representantes de diversas entidades ligadas ao carnaval conversaram com A TARDE sobre a questão. A comemoração pela mudança não ter acontecido foi praticamente unânime. 

O presidente da Associação Baiana dos Trios Elétricos Independentes (ABTI), Paulo Leal, diz que mudanças no carnaval são sempre bem-vindas, mas que uma possível alteração para a Boca do Rio aconteceria muito “em cima da hora”. Outro ponto, segundo o representante, são os obstáculos que poderiam surgir com as características geográficas da Boca do Rio.  

“Imagine adaptar o carnaval, agora, em cima da hora? Isso prejudicaria todo mundo. E acho que isso ainda precisa ser muito estudado e analisado (...) Acredito que o carnaval vai precisar de mudanças para seu desenvolvimento e eu, como representante dos trades elétricos, tenho lutado para regulamentar o tamanho dos trios elétricos, mas não desse jeito”, ressalta.

A decisão do Executivo municipal também foi considerada uma vitória pelos integrantes do ‘Movimento SOS Carnaval Salvador’. Em três meses, o grupo conseguiu reunir quase 4 mil pessoas no Instagram e promove um abaixo-assinado intitulado “Em defesa do carnaval tradicional de Salvador que é no circuito Dodô, Barra-Ondina”, que já conta com mais de 5,7 mil assinaturas.

Um dos participantes, Mauricio Mordechay avalia que a decisão foi tomada com base em critérios técnicos e levou em consideração a vontade popular. “A gente entende que não há motivo para tirar o Carnaval da Barra. Há, sim, oportunidades de melhoria, tanto na Barra quanto no Campo Grande. Mas não há motivo nenhum para a criação de um quarto circuito, pois geraria despesa e, na verdade, ia ajudar os ricos, não os pobres”.

Mordechay afirma ainda que os moradores da Barra têm o mesmo pensamento, apenas um grupo pequeno, formado por pessoas com altas condições, pensam o contrário. Ele afirma ainda que os moradores da Boca do Rio também defendem o Carnaval na Barra e alertam para os possíveis acidentes que podem ocorrer nas praias do bairro.

“Os moradores da Boca do Rio entendem que o mar no bairro é perigoso e vai acabar causando muitos afogamentos durante o Carnaval. A nossa intenção é colaborar com o Poder Executivo para que tome a melhor decisão para o povo, não para atender meia dúzia de moradores da Barra que não querem os pobres curtindo perto deles”.

Artistas que já tinham se manifestado contra a alteração de circuito anteriormente comemoraram a decisão de Bruno Reis. A cantora Daniela Mercury foi uma das primeiras ao dizer que o “carnaval na Barra é nossa alegria”. Ela também confirmou a passagem do bloco Crocodilo pela Barra-Ondina.

‘Daqui não saio, daqui ninguém me tira!”, escreveu ela no Twitter. “Eu vou cantar Maimbê! Crocodilo no Circuito Barra-Ondina. Carnaval de Salvador CONFIRMADO no Circuito Barra-Ondina. A Rainha confirmada no Circuito Barra-Ondina. VAI SER O MAIOR CARNAVAL DE TODOS OS TEMPOS’, completou.

Outro grande nome da folia momesca, Ivete Sangalo falou em seus Stories, no Instagram, que a manutenção da Barra-Ondina era uma “Felicidade total!”. O Bloco Coruja, comandado pela artista, também confirmou a participação no ano que vem.

Ivete já havia se posicionado, no Fortal 2022, sobre a mudança do circuito para a Boca do Rio. “Uma coisa positiva que eu vejo é que há uma discussão. Não há uma tomada de decisão. Uma tomada de decisão sem consultar todo mundo é ditador, é uma coisa radical, zero democrática”, disse ela em entrevista ao Pida!

O “gigante” Léo Santana também se manifestou no Instagram Stories, através de vídeos antigos das suas passagens pelo carnaval da Barra. Nas postagens, ele relembrou o “Pipoco do GG”, que aconteceu em 2017, e prometeu agitar o circuito no próximo ano. Buja Ferreira, vocalista da Timbalada, fez coro ao movimento. “Alegria, alegria! Que venha nosso bloco Timbalada 2023”, escreveu.

Para Débora Souza, vice-presidente da Banda Didá, a notícia da permanência na Barra-Ondina traz alívio, principalmente, devido ao contexto de pós-pandemia e as dificuldades de patrocínio enfrentadas por blocos afros. “Eu achei maravilhoso manter esse circuito na Barra, porque todo o momento que a gente passou nessa pandemia e pós-pandemia. A gente já sabe que não vai ser um carnaval fácil, que nunca é fácil, principalmente para os blocos afros. A mudança seria um transtorno”, afirmou.

Gigante no assunto, Gerônimo contou ao A TARDE que é necessário cuidado para que a tradição histórica do Carnaval tradicional não seja perdida. “Carnaval é concentração de pessoas, é música, artistas, e isso nos lugares que hoje não há mais espaço. Temos anos sem. Quando for fazer a festa, imagine o que vai ser”, afirma.

Segundo ele, diversos artistas preferem determinados espaços devido a visibilidade que proporcionam. “Todo mundo quer o morango do sorvete, quer estar ali, pois está a mídia, TV, o artista se mostra, para a Bahia e para o mundo. Esses lugares são estratégicos”.

Ele defende o diálogo entre os envolvidos antes da concretização de qualquer decisão e sugere que o Carnaval nos bairros seja fortalecido para diluir a quantidade de pessoas nos espaços. “Questiona o povo seu artista preferido no seu bairro, aí vai evitar grandes articulações. Não que o [artista] mais importante vá a todos os lugares. São sete dias e é possível fazer algo para toda população”. 

“O prefeito teve o consenso de determinar uma coisa dessa, vai acarretar em muita despesa. Tem muita pressão. Acho que foi salomônico”.

Cautela


Presidente da Comissão de Cultura da Câmara, o vereador Sílvio Humberto (PSB) também celebrou a permanência do circuito na Barra-Ondina. No entanto, ele diz que apesar da decisão ter agradado a maioria, faltou a prefeitura ouvir as pessoas envolvidas no carnaval. 

“É uma decisão que se rende aos fatos. A ideia de fazer uma mudança tão abrupta, sem ouvir as pessoas, tanto as que têm negócios na Barra, que dependem do Carnaval, que já se tornou uma tradição o circuito Barra-Ondina, e você transferir para a Boca do Rio sem também ouvir as pessoas lá, e após dois anos sem carnaval é algo que, eu tenho repetido, que é um verdadeiro cavalo de pau na vida das pessoas. Ainda bem que o bom senso prevaleceu, mas acho que teria criado um atalho se tivesse, de fato, ouvido as pessoas que estão diretamente envolvidas”, declarou. 

Mas mesmo com o anúncio, Sílvio diz que está mantida a audiência pública da próxima terça-feira, 23, na Câmara Municipal, que visa debater questões referentes ao carnaval. A reunião acontecerá no Centro de Cultura da Casa, a partir das 9h, e segundo o vereador, é importante para garantir que a possibilidade de mudança de circuito para a Boca do Rio não volte a ser discutida. 

“Continuaremos com nossa audiência pública considerando que o fato do prefeito decidir pela não mudança do circuito não encerra a discussão, porque não se sabe se ele vai postergar ou bater o martelo no sentido de finalizar uma possível mudança. Sempre há uma intencionalidade, quem pensou no projeto fez com uma intenção e pensou isso não pela alegria em si, mas sim com a visão de negócios, então há de se ter muita cautela”, argumentou ele. 

Apesar de dizer que prefere o circuito na Barra-Ondina, Paulo Leal, da ABTI, afirma que é importante pensar, sim, em mudanças para atender as demandas do carnaval, desde que estas sejam bem pensadas e estudadas. 

“Eu, pessoalmente, gosto mais da Barra, mas se o carnaval está necessitado de desafogar e se acha que pode planejar nesta orla, fazer um estudo profundo que venha a somar com o carnaval, acho sim, que tudo é viável. O que não pode ser era da forma que estava acontecendo. Como é que você vai aventurar um carnaval depois de dois anos? Os problemas tem, mas devemos corrigi-los agora. A gente apoia o que venha a ser bom para o carnaval, mas que seja planejado”, defende ele. 

Outro lado


Houve, no entanto, quem não recebeu a notícia com tanta alegria, como o Raimundo Matos de Leão. Morador de Ondina, ele sai da cidade durante o período da festa por não conseguir dormir. Além do barulho, a farra e a violência ‘fora dos limites’ são alguns dos pontos que o fazem buscar outras opções de estadia.

“O circuito Barra-Ondina já não comporta a dimensão dos blocos, trios e multidão que se desloca para a região. Fizeram uma avaliação superficial. Vejo como um desrespeito aos idosos que não podem viajar, aos doentes acamados, aos recém-nascidos e aos que não conseguem manter a sua rotina. Ficamos presos em casa e mesmo com o adesivo no carro, em determinadas horas não temos condições de se deslocar”. 

“Existem espaços na cidade mais apropriados para um novo circuito. O problema é a 'força da grana que ergue e destrói coisas belas', como diz o poeta. Sou contra, embora voz vencida”, lamenta.