Presidente do Ipea contesta aumento da fome; dados são questionáveis, dizem críticos

O Ipea foi procurado, mas não quis comentar o assunto.

Presidente do Ipea contesta aumento da fome; dados são questionáveis, dizem críticos
Foto: Divulgação

Um estudo assinado pelo atual presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Erik Alencar de Figueiredo, contesta pesquisas recentes que apontam o aumento no número de brasileiros em situação de insegurança alimentar ou com fome.

O argumento de Figueiredo, que é economista e foi subsecretário de Política Fiscal do Ministério da Economia, é que o aumento da fome deveria ter resultado em um "choque expressivo" no aumento de internações por doenças decorrentes da fome e da desnutrição, além de um número maior de nascimentos de crianças com baixo peso.

"De forma surpreendente, esse crescimento [de insegurança alimentar e desnutrição] não tem impactado os indicadores de saúde ligados à prevalência da fome, o que contraria frontalmente a literatura especializada", afirma, no documento.

Internamente, o material não foi discutido e nem recebeu parecer de outros pesquisadores, diferentemente do que costuma ser feito. Já especialistas de outras instituições criticaram as conclusões.

O Ipea foi procurado, mas não quis comentar o assunto.

O trabalho foi apresentado pelo presidente do instituto durante uma entrevista coletiva com o ministro da Cidadania, Ronaldo Bento, no Planalto, no dia 17.

A distribuição do estudo à imprensa coube à Secretaria de Comunicação da Presidência da República, e não ao Ipea. Na página do instituto, o estudo foi incluído no dia 11, uma semana antes do evento no Planalto.

Em outro trecho do texto de 20 páginas, o presidente do órgão diz que, "se os dados divulgados estiverem mesmo corretos e a insegurança alimentar tiver crescido, ela parece não impactar os indicadores de saúde da população brasileira relacionados diretamente à má nutrição."

Ele atribui essa hipotética falta de impacto aos programas sociais existentes. "Nesse aspecto, merece destaque o avanço que o Programa Auxílio Brasil tem representado, expandindo o número de famílias beneficiárias em todas as regiões do país e aumentando o poder de compra do benefício em termos de cestas básicas", afirma.


IMPACTO DA FOME EM CRIANÇAS É PIOR ATÉ OS CINCO ANOS

Para a pesquisadora Patricia Jaime, do departamento de nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo), a premissa do presidente do Ipea para contrapor a piora na situação da fome é questionável.

Jaime, que é vice-coordenadora científica do Nupens/USP (Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde), afirma que um dos problemas é usar os dados de internações, já que não dar entrada num hospital não quer dizer que a pessoa não passou fome.

"Na insegurança alimentar, a forma mais grave é a fome, e o impacto na saúde leva um tempo para acontecer", afirma.

Parte dos dados usados pelo presidente do Ipea foram extraídos do sistema de internações do Datasus, a base de dados do Sistema Único de Saúde. Essa base é a menos precisa para compreender o efeito da desnutrição, diz a pesquisadora.

Segundo ela, a desnutrição tem um efeito cumulativo sobre a saúde, especialmente no desenvolvimento infantil até os cinco anos. Por isso, quando uma criança é admitida em um hospital, é comum que o primeiro diagnóstico seja uma desidratação por diarreia ou uma infecção respiratória, por exemplo. Somente depois é que a origem na desnutrição será identificada.