Consciência Negra: Primeiro DJ do Brasil iniciou as histórias da sua profissão e dos bailes blacks em SP

Seu Osvaldo, ainda na ativa aos 88 anos, foi o primeiro a tocar discos para o público lá nos anos 1950

Consciência Negra: Primeiro DJ do Brasil iniciou as histórias da sua profissão e dos bailes blacks em SP
Foto: Divulgação

A profissão de DJ - originária do inglês "Disc Jockey", e aqui chamada de "Discotecário" - revelou do Brasil para o mundo nomes oriundos da música eletrônica como DJ Marky – considerado o mais bem sucedido deles ao longo dos anos –, Patife, Zegon, e mais recentemente Alok, dentre outros. No entanto, o ato de tocar discos começou há mais de 60 anos. E naquela época, os anos 1950, tanto o som como a motivação eram outros: dançar ao som das orquestras de música e dos ícones da Black Music norte-americana. Daí, de uma forma um tanto inesperada, surgiu o primeiro DJ do Brasil.

Osvaldo Pereira, ou Seu Osvaldo, hoje tem 88 anos e começou a fazer as festas no final daquela década, quando teve a ideia de criar um evento diferente onde, ao invés de apresentar músicos, tocaria discos de vinil. Foi um novo jeito não só de fazer festas, mas também de tocar músicas para o público, como a primeira pessoa a executar discos como forma de entretenimento em grupo. A inspiração dele foi um golpe de sorte, mas também de competência e criatividade.

Seu Osvaldo era técnico de som na década de 1950 e trabalhava em uma loja de discos, vendendo as “bolachas” – como também são chamados os discos –, montando e consertando rádios nas casas de famílias ricas do centro da capital paulista. E depois de montar tantos rádios para essas famílias, ele se inspirou no que via nas casas abastadas e decidiu montar um toca-discos para si mesmo, mas com mais potência sonora que os comuns.

"Eu me acostumei com aquelas casas de pessoal rico, aquelas caixas bonitas, aparelhos importados, e pensei: "Vou também fazer um equipamento e fazer baile aqui no bairro". Consegui primeiro o amplificador, a caixa acústica era pequena, comprida, estreita, e era fácil da gente se locomover aqui na redondeza. Aí comecei fazer casamentos, aniversários, fui à Casa Verde, fiz dois casamentos lá, e aí fui ficando conhecido".
Com o sucesso nas festas pequenas, Seu Osvaldo foi convidado para tocar no Clube 220, um dos mais populares do centro de São Paulo. E a partir daí, ele foi ficando ainda mais conhecido por tocar os discos para uma quantidade maior de pessoas. E de lá, foi convidado a tocar em um clube da Avenida Rio Branco, também na região central da capital. Mas sentiu a necessidade trazer algo novo para essa estreia.

“O equipamento, nós colocamos com maior potência. Então esse amigo meu, o Francisco, ele falou: ‘Vamos fazer um baile e vamos apresentar a "orquestra invisível"?’ Vamos ter que batizar o aparelho, porque por enquanto não tinha nome ainda. E aí ele falou: ‘Que tal a Orquestra Invisível Let’s Dance?”

Surgia ali a inovação tanto como música, mas como forma de entretenimento. E, mais à frente, isso sofreria adaptações até se tornar um ponto de resistência do povo negro. Mas por enquanto, fiquemos na inovação musical – a que Seu Osvaldo conta ter surpreendido a todos logo de cara.

“Deixamos a cortina fechada, aí no início do baile, tocamos uma música americana e fomos abrindo a cortina. E aí conversamos com o público. E dali, foi um gatilho: todas as festas que eu ia, eles reconheciam meu som em relação aos outros. Porque era um tipo de música, e eu tinha um equipamento bem possante, que eu montei. Pelo tom da música eles sabiam que era eu”.

Mesmo com o sucesso da sua iniciativa, Seu Osvaldo não tinha como saber que havia criado uma nova maneira de se fazer festas. E que iria ser reproduzida pelos DJs que viriam depois.

"Aos DJs que vinham me perguntar, eu falava: 'Compra um equipamento, faz uma festa no bairro, pequena, aí depois você vem aqui para a cidade'. Naquele tempo chamava "circular", que é o "flyer" de hoje. 'Vão fazer a propaganda, aí vocês vão ver, vai começando devagarzinho, e daí vocês vão crescer'. E realmente foram surgindo várias equipes de (bailes) blacks".

Não foi uma ação planejada, mas Seu Osvaldo deu início a um movimento de afirmação da cultura negra. Ele parou de fazer festas no final dos anos 1960, mas nesta época as equipes de bailes já haviam surgido inspiradas em sua criação – as festas com toca discos, feitas inicialmente nas garagens das casas de periferia, mas que com o rápido sucesso, ficaram grandes e naturalmente alçaram voos maiores e ido aos clubes tradicionais de São Paulo.

Equipes como Zimbabwe, Os Carlos, Black Mad, Chic Show e outras promoviam as festas a partir dali, e que tinham como objetivo exaltar a cultura negra perante aos abusos e racismos da sociedade da época da ditadura. Mas até mais do que isso, a música e a dança dos bailes eram uma forma de diversão para uma população periférica que não tinha acesso aos grandes clubes e a outras formas de lazer do centro da capital paulista.

Afastado dos bailes desde o fim dos anos 1960, Seu Osvaldo Pereira passou as décadas seguintes apenas acompanhando os filhos, Tadeu e Dinho, que seguiram seus passos e viraram DJs, trabalhando da mesma forma na noite paulistana. Seu legado já estava consolidado, mas ele voltaria à cena musical para, enfim, ser exaltado pela história.

Nos anos 2000, a jornalista Claudia Assef o procurou para torná-lo um dos personagens de seu livro, “Todo Mundo é DJ” – ele inclusive é o personagem de capa da publicação, que tem duas edições. E a partir daí, ele voltou à ativa: tocando com Tadeu e Dinho, ele voltou a levar a Orquestra Let’s Dance para o público de São Paulo.

Seu Osvaldo foi, inclusive, uma das atrações de uma festa de dança ocorrida duas semanas atrás, no Centro Cultural São Paulo, onde tocou as suas músicas e colocou o público para dançar, como faz desde os anos 1950. E para reforçar a negritude de toda uma população, como a história irá contar para sempre.